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Mostrando postagens de 2020

Estranho oráculo

Janelas abertas para um céu aos pedaços, gavetas fechadas que parecem abertas, cortinados indecisos que cobrem e descobrem. Coisas que, estou certa, já habitavam esses papéis que, para mim, jamais estão em branco. Minha sina é essa impositiva tarefa de revelar coisas que estavam todas escondidas no nada. Meio culposamente, sempre apressada, em luta com a negligência do desenho, com a imperícia  dos traçados a pincel, com a imprudência de trazer à tona segredos talvez. Obsessiva ocupação que me toma as mãos e a mente. Depois me pergunto se não faço do papel um estranho oráculo, ao qual consulto para saber de ti, habitando agora o infinito nada. Obsessiva ocupação para reinventar, todos os dias, a tua morte. Porque dela é a culpa de todas as coisas restarem assim tão confusas e inexplicadas. Mistério. 

Humanidades à parte

 Quando tudo acontece furiosamente, o que está na frente é ultrapassado pelo que está atrás. Como na vida, quando o passado atropela o futuro. Nossa existência é pensada no tempo e no espaço. Tributários dessa prisão dimensional, nosso horizonte é o de uma consciência de si, que a memória ora atormenta, ora ameniza, e que a morte ora consola, ora aterroriza. Humanidades à parte, não admira termos criado tantos deuses e tantos heróis. 

A dois

 Porque pode ser bom não estar só.

Nem que seja

 Para que saibas que, por mais tristes que sejam as flores e por mais cinzas que haja no fundo, é possível que haja laços infinitos.  Nem que seja apenas no domínio da arte.  Nem que seja só na minha imaginação.

São azuis

 Impulso noturno. A tal vontade de pintar. Me entrego aos pinceis e às águas. É o meu jardim de flores inventadas no qual descubro que troncos secos também florescem, mesmo sob céus febris.

Pobre imitação

 Cores. Gloriosas cores que as tintas só podem pobremente imitar.

Existencialmente só

Indefinível sensação que se exprime apenas nas cores e nas formas. É puro receio de que as palavras possam me atirar nos lugares comuns. Minha saudade é só minha, tão minha, que tem um desenho feito agora mesmo especialmente para ela, nesta véspera de Natal, que poderia ser Páscoa ou qualquer outra data tão profana quanto. Um desenho para te dizer que o mundo permanece igual ou pior ao que deixaste, e que eu permaneço nele, por ora, vivenciando o que esse hibisco experimenta: estar solta em meio a um vazio imenso, sem suporte algum além da própria cor e da própria fragilidade. Existencialmente só. 

Muito embora

Comecei a desenhar com certo cuidado até, na expectativa de descobrir que flores viriam. Nenhuma saiu da pontas do lápis. E depois, nenhuma tampouco saiu da ponta do pincel. Mexi com as cores, fui e voltei pelas folhas e pelas hastes. Iluminei e escureci o fundo. Nenhuma flor. Tenho para mim que, desta vez, não houve flores, muito embora o viço das folhas. Muito embora esperasse por elas. Muito embora já seja noite, e muito embora eu saiba que, mesmo que houvesse flores, tu não estás mais aqui para recebê-las de mim.

Marca Registrada

 Sei que existem muitas flores no mundo. Mas as que procuro não existem e, portanto, preciso inventá-las. Saem assim: tortas, desencontradas, estupidas no colorido e na forma. Nascem de gestos brutos, do excesso de tintas, da pressa, da imperfeição que é, enfim, a marca registrada de tudo que é provisório e improvisado.

Nem sempre

 Faz parte do enredo. Uvas nem sempre doces, panos de fundo nem sempre limpos e amparo em galhos nem sempre livres de espinhos. Ao final, tudo se confunde. Não se salva sequer a integridade de um céu nem sempre livre dos borrões das tintas que a água tornou indecisas. 

Curiosa

 Porque sempre existe alguém que não resiste e espia o tempo todo

Quem sabe?

 Para que a segunda-feira não passe em branco, trouxe o vermelho. São as tintas. As cores que queria tanto te entregar. As flores, os detalhes de fundo. Nada escapava ao teu olhar. Então, quem sabe?

Vaidosas

Porque há flores que demoram mais para se arrumar.

Não assim

Arranquei as flores e joguei no cesto sem limpar a terra que havia no fundo. Porque não daria tempo, não daria mais tempo. Não agora. Não hoje. Não assim.  

Simples exclusão

 Pensei que era tarde, que eu estava tão cansada, sem inspiração e sentindo calor. Mas olhei a folha de papel, alisei-a para sentir a leve aspereza que a torna tão absorvente, toquei-a depois mais forte, esperando para descobrir o invisível que já estava desenhado ali. Olhei os lápis coloridos e me deu vontade. É assim que acontece. O cansaço vai embora, começo a riscar e a colorir o que não vejo, não sei, não imagino. Expectadora do que virá, que me esforço por desconhecer. Estranho processo. Lembrei então de que era assim com a gente. Bastava o menor olhar, um toque, um som, e nos entendíamos. Não como eu e tu, mas como um produto dessa dualidade que se desintegrou com a tua deserção. Melhor quando silenciosamente. Do mesmo jeito que me entendo agora com as cores, com o papel e com as letras das palavras. Por uma dessas perversões do espírito, é pelas cores, riscos e palavras que te reconstruo como ausência.  Que faço então? Invento flores amarelas que não são flores, mas si...

Questões de gênero

Dificilmente resisto às cores frias. Gosto muito de azuis. Sinalizam que está tudo bem. Um pouquinho de azul que seja, uma pincelada, mesmo escondida, um canto de céu, uma janela aberta, a fresta de uma porta. Os azuis garantem a discrição, o contexto, o sentido: respeitosamente. Mas desta vez só vi vermelhos: escandalosos, alaranjados, indiscretos, promiscuamente mesclados a amarelos. Flores descabeladas, indecorosas e com espinhos. Enfim, flores mulheres, tais e quais elas ficam quando não se coloca ao menos um pouco de azul no fundo, outro tanto nas pétalas, toques discretos ao longo dos caules, tudo como garantia de sua elegância e, é claro, de sua respeitabilidade.

Que flores são essas?

São as que saíram da ponta do meu pincel. 

Quem sabe

Gavetas transformam banalidades em grandes segredos. Pairam mistérios sobre tudo o que elas escondem.  Por isso amo tanto gavetas. Nelas podemos guardar nossos nadas e nossos espaços vazios: imensos, escuros, onde não chega nem o azul da janela nem a alegria das flores. Pura saudade. Mas as flores estão ali. O cortinado, aberto. A janela também. Porque,  —  quem sabe  — , por ali, junto com o azul, pode entrar o teu olhar. 

Se

 Se a gente pudesse mandar embora tantas coisas feias que infestam o cotidiano. 

Outras paisagens

 Estávamos lá, bem desse ponto de vista, contornando a lagoa. Caminhávamos absorvidos pelo cenário. Havia música de um violão dedilhado. Saboreávamos cada minuto daquele passeio que durou até o final da tarde, Depois a noite chegou e nos recolhemos. Eram outras paisagens então. 

Nada sei

À espera do teu olhar. Porque nada sei do que faço, se faço bem ou se faço mal. Nada sei de nada, sem o sentido do teu olhar, do teu juízo, da tua palavra final.

Não fosse

 Não fosse a pressa, não fosse o dia, não fosse o tempo, não fosse simplesmente segunda-feira

Lugares impossíveis

De tanto pensar que a lógica da realidade só pode esperar no imponderável, me volto agora aos impossíveis que, ao menos, posso imaginar. Lugares impossíveis na geopolítica das maravilhosas cidades invisíveis de Calvino. Lugares impossíveis por onde passeiam unicórnios lilases que nunca aparecem. Lugares impossíveis onde me esperas, simplesmente porque, como dizias, não te vias sem mim. E como não mentias, me recordo das tuas palavras do mesmo jeito que um crente remói suas orações, tentando descobrir nelas algum sinal, alguma direção, algum sentido que possa ter sobrado, ainda que bem escondido, no fundo daquela caixa, lembra? Não. Não vou pela óbvia caixa de Pandora. Esta deixamos aos imortais. Sei que preferias, como eu, a magia dos achados cotidianos, descobertos no oco de uma parede, tal e qual aconteceu, afinal, com Amélie Poulain. Não era, para nós, nem nunca foi, questão dos grandes mitos, tão simplórios, tão fáceis de inventar, tão pirotécnicos e artificiais, sempre exterio...

Outra vez

 Porque criar também é recriar

Nada Sabemos

 Há lugares que somos incapazes de imaginar. Sabe-se que há céu, águas, cores na paisagem, montanhas, árvores e nuvens. Contudo, nada sabemos acerca de como essas coisas se combinam. Nada sabemos sobre seus habitantes. Nada sabemos nem mesmo sobre não saber.

Girassol

 Durar pouco não importa. Importa é viver bem. 

Aff!

Absolutamente: não é uma inspiração zodiacal. 

Não era bem assim

 Eu deveria ter me lembrado da gaveta. Essas mesas deveriam ter sempre gavetas. Mas esqueci.

Por quê?

 Porque é segunda-feira. E porque não vais chegar.

Sem querer

 Porque às vezes o pincel sabe o rumo a tomar, as formas se acomodam e o fundo é mera consequência. Mais nada.

Em Sinistro

Existe algo de sinistro em alguns lugares. Diria que também há algo de sinistro em certas combinações de cores, como, nas melodias, naquelas de certos tons menores que  parecem chorar. O sinistro , por sua vez, tomado com o substantivo, poderia bem ser uma categoria,  — um lugar, quem sabe  —,    ultrapassando a função acessória que lhe é assinada como simples adjetivo. Afinal, às vezes é preciso extrair de uma palavra tudo o que ela tem a oferecer.  Olho para essa imagem e imagino que atrás dessas montanhas negras está Nunca Mais, a cidade para onde partiste. São montanhas de ferro, imensas, que não se deixam tocar nem em tempos de frio nem de calor. E lá sempre faz muito frio ou muito calor. As águas são profundas e venenosas, para que nada nelas tenha vida. Não são águas mães, mas águas madrastas, águas que abortam em lugar de gerar. O céu, por sua vez, tem fim. Ele não permite que se voe nele, e possui nuvens de cantos quadrados, para machucar quem que...

Fatalidade

Viver uma mera caricatura de vida que nem mesmo tem a dignidade da morte.

olhares próprios, olhares alheios

 Olhar, olhares, próprios e alheios. É a ciranda das trocas. Porque daqui também se vê, reflexo seu na vitrine, reflexo meu no que vês. 

Se

 Fosse uma carta, seria

Nostalgia

 Indefinível nostalgia.

Justificativa

 Cor demais. E nunca é o bastante. Parece que estou longe da leveza, das elegantes transparências que fazem de uma aquarela algo suave e sofisticado. Minhas aquarelas são brutas. Coloridas demais. Fortes demais. Imagino que a culpa disso seja do diluente que tenho usado nos pigmentos. Eu deveria usar água. Lágrimas deixam as cores excessivamente marcantes. Indiscretas. 

Cumplicidade

 Intimidade? Penso que tomar café com alguém sugere sempre alguma cumplicidade. O café pressupõe um rito. Café deveria ser a bebida social por excelência, além de ser assim... bebida de gente adulta, muito mais que alcoólicos em geral. Café é tão civilizado! Além disso, requer habilidades especiais, o domínio de uma técnica, sem falar no refinamento do paladar. Desconfio muito de quem não gosta de café. Desconfio, sim, profundamente.

Assim como eu

 Não por nada. É para o teu olhar que tomei das cores e as misturei bem coloridas, perdidas no vazio do suporte e, assim como eu, à espera de um sentido.

Indiferente

 Quando não faz diferença chegar ou partir, porque se mora em si.

O quinto elemento

 Nem a água, nem a terra, nem o ar, nem o fogo do sol puderam sequer sugerir uma simples marina, para lembrar a paisagem de que gostavas tanto. Porque, como elementos, estão confusos, inconsoláveis, desorganizados, desencontrados, procurando pelo teu olhar.

Para o teu olhar

 Nada como um dia como outro qualquer. Em dias como outros quaisquer estamos em paz. Não aquela paz das bandeiras brancas e das pobres pombas com ramos de oliveira. Não a paz marketeira, que se vende como universal,  a paz barulhenta que sai em passeatas. A paz não é exibicionista. É discreta e silenciosa. Além disso, a paz verdadeira só existe em um lugar: no fundo da gente mesmo, no silêncio da casa em penumbra, na mudez da mensagem que não chegou. Há paz no esquecimento, no abandono, na inutilidade da dor. Há paz no infinito espectro da tua não existência. Porque há paz para além do desespero, de onde se pode contemplar o trágico, o que não faz sentido nem tem explicação. Paz é simplesmente o papel em branco sobre o qual atiro cores e riscos que fingem ser flores, que fingem ser luzes e janelas sempre abertas para o teu olhar.

Sabidamente

Sim, eu sei, mas eu não quero nada planejado, nada calculado. Quero qualquer cor, traços rápidos, imagens imprecisas, coisas não ditas, apenas sugeridas. Pintar por impulso. Escrever por desabafo. Viver por enquanto. No instante. 

Amor-Perfeito

 Não sei nem se é amor, que dirá se é perfeito. 

O resto é o resto

Chuva na vidraça. Mas o que há do outro lado? Ignoro. Há manchas na frente. Apesar delas, é possível saber que o resto é vazio. Deve ser. Porque sempre me dizias que o resto é o resto.

Teimosia

Teimosia. O peso ainda não aliviou, e a mão bate forte, tratando a a delicada aquarela como se fosse uma pincelada carregada de óleo.  Falta de respeito com a fluidez da água, etc. Só abstraindo e fingindo demência, como se diz por aí.  Mas a verdade verdadeira mesmo é que gostei desse amarelo. Ele traz um quê de alegria para o seu quadrado, quase ignorando os vermelhos que se enroscam, na defensiva, procurando o centro, o protagonismo. Azuis e verdes, um cá outro lá, ambos na deles, e eu por ali, cuidando para que haja os clássicos vazios, os trechos em branco, para disfarçar, fazer de conta que sei mexer com aquarela. Bobagem. Essas coisas se fazem por si. Eu só junto os pigmentos no papel molhado. O resto se acontece sozinho, meio como eu mesma nesses últimos tempos.

Paisagem

Porque há água, terra e ar e o fogo, que não se vê, porque queima escondido na paisagem. 

Simbolismo

  Porque às vezes somos herméticos.

O "x" da questão

  Sábado. Pois então, flores, mesmo que para marcar, tipo assim, o "x" da questão.

O vaso ou "que vaso?"

 Nitidez não faz falta. Se fizesse, você não veria um vaso com flores. Mas, se você me responder: "Que vaso?", então faz, sim. Faz falta, sim, mas só para você.

Cores

Pelo silêncio.