Ainda não me livrei da culpa de sujar papel de boa qualidade. Sei que é meio ridículo, mas faço parte da turma que ama papelaria. Fico fascinada com material de desenho: lápis, tintas, canetas. Sou apaixonada por papel em branco. Quando é papel de boa estirpe, reconhecidamente, caros e especiais em suas propriedades, notadamente absorventes, então, o medo de estragar é imenso. Me culpo quando compro, porque é um luxo dispendioso, e me culpo mais ainda, quando uso. Ainda assim, o bloco de apenas 15 folhas de Canson está no fim. Morro de pena de estragar o papel em minutos, riscando tudo e pincelando furiosamente a tinta tomada às pastilhas de aquarela já quase no fim. Mas são pastilhas comuns. Sonho mesmo com as importadas, obscenamente caras. Um dia, quem sabe... O superego não perdoa: penso que é desperdício, que vai tudo para o lixo, que é rasgar dinheiro e aqueles pensamentos todos que as almas culpadas bem conhecem. Mas depois vem o cretino do id, sempre liberal e libertino, e penso: mas é meu, é para mim, faço o que quero e pronto, são meus pequenos luxos. No meio, o ego, aqui, escolhendo as palavras, tentando justificar o gesto impulsivo de me atirar à execução de trabalhos sem nenhum projeto, e o crime de me impor frustrações, sobretudo, na tentativa de me disciplinar também na prática das cores e riscos. Pobre ego. Se desgasta sempre nessa trindade não pacificada que Freud arrumou para nós.
Os castelos confundiram-se. Não sabem mais o que fazer com a nova ordem das coisas. Porque não fica nada bem para uma coisa servir de abrigo para príncipes, para princesas, para sonhos ou devaneios. Daí entortaram-se. Verdade que os relógios de alguns passaram a andar para trás. Porém, eu soube que foi inútil. Tudo inútil.

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